Na Tua Pele - Testemunho Artur

Artur Fernandes

49 anos
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Um pragmatismo quase poético


Recebe-nos à porta da Biblioteca Municipal José Saramago de Loures, um local onde o lírico e o utópico ganham vida a cada prateleira, o que ainda salienta mais o discurso pragmático de Artur. Escolhe manter os pés na terra, tomar decisões que acredita serem as mais acertadas e olhar para a psoríase como uma mera figurante na sua história de vida.

O técnico profissional de biblioteca e documentação começou a notar os primeiros sintomas de psoríase “perto dos 30 anos”, mas apenas de forma ligeira. Recorda que o maior problema era apenas “de visibilidade” - apesar de ter lesões na pele, não tinha os outros sintomas, como a comichão ou o ardor. Com o nascimento da filha, as lesões exacerbaram - acredita que pelo stress. Depois, estagnaram.

Confrontado com o diagnóstico, diz não ter ficado “particularmente preocupado”, sobretudo porque a doença surgiu já na idade adulta, com uma vida estabelecida, nomeadamente a nível profissional e conjugal. Afirma, por isso, que “não teve grande impacto”, mas ressalva: “Tirando o facto de ser uma doença sem cura”, que foi o mais doloroso no diagnóstico.

Atualmente, afirma, lida bem com a psoríase, sobretudo porque arranjou alguns mecanismos no dia a dia: o cuidado de limpar todos os dias a casa, de verificar os sítios onde se senta… Mesmo com lesões extensas, Artur afirma que nunca sentiu, no local onde trabalha, algum tipo de discriminação, mas também não se preocupa: “Não me foco em pensar se vão dizer alguma coisa. Prefiro encarar as pessoas com um sorriso, o que acho que acaba por desarmar algum condicionalismo que possa haver.”

Quando se refere às reações de conhecidos e estranhos, Artur não recebe estranheza, pelo contrário: “As pessoas parece que me querem ajudar, toda a gente tem uma cura milagrosa para o problema, o que também acaba por ser irritante.” Esta falsa sensação de entendimento da doença, por parte de terceiros, contribuiu para a descrença em tratamentos médicos. O que não significa que não tenha tentado algumas terapias e que não acredite em bons tratamentos para o problema.

Assume que o seu caso pode ser um caso isolado, mas os tratamentos que fez até à data para a psoríase mostraram-se prejudiciais noutros fatores relevantes de saúde. Recorda um tratamento recomendado à base de cremes, cuja conta era demasiado elevada e que eram considerados “produtos de beleza”. E questiona retoricamente: “Vou gastar esse dinheiro todo para resultados mínimos?”

Sabe que a psoríase é mais do que um problema de pele mas, no seu caso, é ainda apenas uma doença estética. E não tem problemas com isso. Outro tratamento recomendado, feito com comprimidos, resultou na diminuição das lesões de psoríase, mas também em alterações de valores como “o colesterol, os triglicéridos, a tensão” bem como sintomas físicos de alterações no fígado - que já conhecia porque, numa medicação anterior, tinha tido a mesma sintomatologia.

Quando questionou o especialista, confirmou-se que os efeitos secundários da medicação se coadunavam com os que estava efetivamente a sentir. A decisão foi rápida e indolor: “Cheguei a casa e foi tudo para o lixo. Acabou o tratamento ali.” Sabe, contudo, que também a psoríase lhe poderá trazer outras complicações, e por isso pretende procurar novas alternativas: “Falaram-me de uns tratamentos inovadores, à base de injeções, que limpam tudo.” Artur quer procurar mais sobre os tratamentos biológicos, mas faz a ressalva: “Preciso de perceber se me resolve a parte estética, mas também se me previne de situações não estéticas.”

Com uma filha de 14 anos, e consciente de que a herança genética pode também trazer-lhe a doença, Artur mostra a esperança de tratamentos eficazes ou de uma possível cura. Sabe que é um caminho, e que talvez o livro ainda vá a meio, mas acredita que a ciência pode evoluir de forma positiva.

Para isso, acredita, é preciso começar-se a olhar para a psoríase de uma forma mais séria, porque, graceja, “às vezes parece o parente pobre das doenças”. Enquanto a solução tarda, Artur defende que a aceitação dos doentes é crucial, para que consigam manter ao máximo a normalidade nas suas vidas. No seu caso, a estratégia da desvalorização funciona, no sentido em que não se importa com o que se vê. Como um bom livro, não é a capa que importa, mas sim o enredo.

Acredita, ainda assim, que é também necessário haver “mais informação” sobre a doença, mesmo que, admite, haja agora um esforço maior por parte da sociedade para falar sobre psoríase: “É abismal a diferença em relação há 20 anos”, mas ainda é preciso fazer mais.

O apoio psicológico, reitera, é também fundamental. Porque sabe que lida com a doença de uma forma mais descontraída, mas que a carga emocional é muito forte e que há casos em que os doentes não conseguem lidar com a informação, com os sintomas e com o diagnóstico.

Artur acaba a conversa com o pragmatismo com que a começou: a psoríase pode ter-lhe condicionado a vida, “um bocadinho”, mas não a mudou. Continua a ir à praia, a estar com amigos, a comer e beber como e com quem lhe apetece. Sabe que não é caso comum, e que em muitos outros casos a doença afeta a vida, muda-a. À janela da biblioteca, um mural de Saramago resume-nos a entrevista: “No fundo, todos temos necessidade de dizer quem somos.” No caso de Artur, é o homem que não se deixou vencer por um diagnóstico. Nem tão-pouco mudar.

VER NA PELE

A psoríase vê-se. Mas como é que se sente? Como é que lidam os familiares, os amigos, a sociedade? Nove poderosos testemunhos inspiram-nos com histórias na primeira pessoa, em conversas francas e descontraídas.