27 anos
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Se tivéssemos de a definir numa palavra, seria empática. Marisa transborda empatia em cada palavra, em cada alerta, em cada conselho. Percebe bem o que é lidar com um diagnóstico de doença crónica, como é lidar com o medo de uma doença “ainda sem cura” e como é lidar com os sintomas.
Recuemos ao princípio: aos 14 anos, em plena adolescência, a farmacêutica começou, como tantos outros doentes, com sintomas ligeiros de psoríase. Associados a alturas de maior stress, desvalorizou. Mas aos 15 anos, quando as lesões começaram a ser mais extensas, decidiu procurar ajuda. Vários dermatologistas resultaram em várias opiniões. Por fim, o diagnóstico: era, de facto, psoríase. Mas localizada.
Com o diagnóstico apareceram os primeiros tratamentos, tópicos, mas a extensão das lesões fez com que os resultados não fossem os esperados. A evolução da doença fazia-se em melhoras e crises sucessivas, o que criou alguns constrangimentos a nível social.
As estratégias de Marisa eram as estratégias de tantas e tantos outros doentes: esconder. Mesmo sem questões, “havia sempre olhares”, o que fez com que arranjasse estratégias de inibição, como na roupa, para esconder as lesões. A farmacêutica assume contudo, à luz da distância, que mais do que o preconceito dos outros, foi o seu próprio preconceito a causar-lhe entraves: antecipava situações desconfortáveis mesmo antes de sair de casa, procurava formas de a contornar, mas admite que nunca foi alvo de bullying por causa da psoríase.
A vida da jovem mudou aos 22 anos, quando começou a terapêutica biológica: “As lesões desapareceram, ou regrediram praticamente todas.” A terapêutica livrou-a das lesões, mas as marcas ficaram. A farmacêutica explica-nos que as melhoras com o tratamento foram muito rápidas e que, atualmente, tem apenas algumas manchas no corpo, e lesões residuais nas costas e couro cabeludo. Ainda que com alguma relutância, aprendeu a lidar com as cicatrizes de superação: “A minha médica disse-me que eu era o pior caso que tinha visto naquele ano e que tinha sido a melhor recuperação.” São marcas de uma guerra que, para já, superou com óbvia distinção.
Sabe que, como em todas as doenças, a terapêutica é um processo contínuo e que merece sempre acompanhamento e atualizações. O primeiro tratamento fez com que, ao fim de um ano, as lesões reaparecessem. À época, a psoríase manifestou-se também nas unhas, a chamada psoríase ungueal, juntamente com algumas alterações na pele. A troca de biológicos fez com que, atualmente, as melhoras se mantenham. Recorda vivamente o dia em que começou a terapêutica biológica: “Um senhor, na farmácia do hospital, questionou-me se era o meu primeiro biológico e se tinha psoríase. Disse-lhe que sim e ele disse-me: ‘Vou no meu 10º biológico, não se assuste quando tiver de mudar, há sempre outras soluções, o que importa é aceitar e ir tentando.’” O conselho marcou-a, a felicidade que um desconhecido tinha na luta por tratamentos também. E Marisa percebeu que aquela era, afinal, a resposta e não o problema. Hoje afirma, com convicção: “Temos de gerir, e se por algum motivo for necessário alterar a terapêutica, assim o farei.”.
Hoje, Marisa sabe que são o diagnóstico e o acompanhamento que podem, efetivamente, mudar vidas. A dela mudou, nomeadamente a nível social: antes, era “complicado” estar à vontade com alguém, quer a nível social quer de relações, com “o corpo no estado em que estava”. Com os biológicos, afirma categoricamente, conseguiu ter outra qualidade de vida.
Como doente psoriática percebe a dificuldade de procurar ajuda; como farmacêutica com experiência na primeira pessoa, percebe a necessidade de todo o apoio nas várias áreas da saúde. Sabe, aliás, que a farmácia é muitas vezes porta de entrada para um primeiro encaminhamento, e não nega ajuda a quem tenha dificuldade em entender os sintomas. Acredita que o aconselhamento de um farmacêutico é muitas vezes o primeiro passo para a procura especializada em dermatologia.
Não esconde a sua história e apela a que não se deixe de procurar ajuda por vergonha, por desvalorização ou pelo tão popular autodiagnóstico. Alerta, aliás, para as consequências: a extensão das lesões, as comorbilidades, o agravamento da doença. O seu olho clínico e o seu sentido empático fazem com que, muitas vezes, alerte os doentes para as lesões, sem nunca se sobrepor ao diagnóstico especializado.
Assume, contudo, que há muitas vezes a suposição de que “quem é da área da saúde não tem doenças. E que, se tiver, já estão todas tratadas”. Defende, por isso, que o primeiro passo de qualquer tratamento é “aceitar a pele, perceber os seus limites, cuidar dela”. No seu caso, sabe que a sua pele é mais sensível e que exige mais cuidados tópicos, quer ao nível do corpo, com cremes específicos e proteção solar 365 dias por ano, quer no couro cabeludo, com champôs próprios. O hábito e a obrigação tornaram-se já um gosto, por ver melhorias efetivas e uma melhor resposta da pele à terapêutica biológica. Na farmácia nota, no entanto, que muitos doentes com tratamentos tópicos acabam por “pôr de parte os cuidados diários que poderiam controlar as recidivas”.
A experiência de Marisa vai além das lesões típicas de psoríase: teve já psoríase ungueal, teve uma psoríase reacionária ao longo de todo o nervo ciático e tem, como comorbilidade associada, síndrome do intestino irritável, uma alteração gastrointestinal associada ao sistema nervoso. Acredita que falar de psoríase não pode nunca limitar-se a falar de uma doença de pele: “Não podemos falar só de dermatologistas, porque é uma doença multifatorial. Temos de olhar de forma holística, tanto a nível de saúde da pele como de saúde dos outros órgãos e, muito importante, de saúde mental.”
A força de Marisa não se traduz no sorriso que nos dá a cada palavra, no conselho terno que deixa a cada resposta. A farmacêutica conseguiu lutar por si própria, em plena adolescência, lutar por um diagnóstico efetivo, e procurou, em conjunto com especialistas, um tratamento eficaz. Sabe que nem todos os percursos se assemelham, mas sabe também que é preciso que haja mais informação e mais pessoas a falarem sobre o assunto. Confessa-nos no fim o meio arrependimento, por timidez. Não deixou que ela levasse a melhor, tal como não deixou que a psoríase levasse a melhor sobre a sua vida. Olhou-se por dentro, sentiu na pele e não permitiu que aquele fosse o seu caminho. Hoje, cuida de si como tanto quer cuidar de todos os doentes que atende na farmácia, e o resultado está à vista. A farmacêutica não esquece a história, mas tem hoje uma nova e melhor história para contar. E afirma, sem qualquer hesitação: “A psoríase mudou a minha vida.”