30 anos
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Tem um olhar doce, um sorriso que nenhuma máscara consegue esconder, mas o que preenche a sala é a firmeza na voz, nas afirmações. Helena Guia faz da comunicação profissão, em agência, mas é-lhe intrínseca a necessidade de comunicar, também, sobre psoríase.
O caminho, no caso de Helena, fez-se caminhando. Devagar, a princípio, com um diagnóstico que demorou anos a chegar. Aos 13 apareceram-lhe lesões no couro cabeludo, que confundiu com caspa. Com o tempo, as lesões “começaram a escalar para outras zonas”, e procurou, dermatologista atrás de dermatologista, por uma resposta. “Foram-me dizendo que era seborreia, dermatite, eczemas…”, até que, aos 18 anos, é confrontada com o diagnóstico: psoríase.
O momento foi um misto de sentimentos: “Por um lado, foi assustador; por outro, fiquei mais descansada por, finalmente, ser diagnosticada a minha patologia.” E o caminho continuou, agora já mais certo, agora já mais seguro. Ao alívio de saber, juntou-se a curiosidade de perceber melhor. Num primeiro momento, a então jovem de 18 anos recebeu “um kit de boas-vindas” da PSO Portugal, juntamente com o conselho da médica: “Faz-te sócia, porque não estás sozinha.”
Na mesma altura, começou também um tratamento “com comprimidos” imunossupressores, em que teve uma “redução a 100% das lesões”. Depois disso, no tal caminho que hoje percorre de forma tão segura, perdeu a conta às vezes em que a psoríase se tornava obstáculo. “Dei por mim, numa altura da minha vida, a pensar que não haveria tratamento para mim. Que teria de saber gerir e lidar com a doença toda a minha vida.” Mas o tratamento certo apareceu com a terapêutica biológica, as lesões desapareceram e hoje Helena usa a voz e a história que tem para ajudar quem dela possa precisar.
Quando lhe perguntamos como definiria a psoríase, sorri: “A psoríase é uma doença que se pode manifestar se não tiveres a mente sã.” E justifica: está cientificamente provado que há uma componente psicológica e psicossomática muito pesada na psoríase, que pode ser espoletada por um motivo de stress, um motivo emocional muito forte, ainda que saiba de cor a componente hereditária, o caráter inflamatório no sistema imunitário.
Este é, aliás, um dos pontos fulcrais em toda a conversa com a consultora de comunicação: a importância de não se cingir a doença aos sintomas mais físicos, de ser acompanhada de forma mais abrangente: “Em Portugal, ainda não se lida com a psoríase do ponto de vista psicológico. É ainda considerada uma doença de pele, quando na verdade é muito mais do que isso.”
Para Helena, o lado mais emocional fez-se “num percurso individual”, no qual, explica, procurou mecanismos para se acalmar. Descreve-o e quase se ouve em background Paulo de Carvalho: “Encontrei mecanismos que me ajudam a entender quem sou, o que faço aqui.” Ainda que vá descrevendo este caminho introspetivo, Helena afirma e repete as vezes que sente que são necessárias:
O importante, na jornada que tantos partilham no caminho que é um diagnóstico de psoríase, é saber encontrar a forma que mais sentido faz de lidar com a doença. Não há uma resposta certa, há sim uma resposta mais certa para cada um dos doentes. Para Helena, falar e partilhar a história, das esferas mais íntimas às mais alargadas, foi uma das formas que encontrou de se ajudar e de ajudar o próximo, mas nem sempre foi assim.
Escondeu, durante algum tempo, que tinha a patologia, maquilhando as pernas e usando a seu favor peças de roupa que não a comprometeriam para ir trabalhar. Mas tentou sempre falar abertamente com as pessoas mais próximas, de forma a “evitar qualquer comentário menos positivo”, mas também de “abrir uma porta de conhecimento para o outro”. E, com orgulho, sublinha que nunca foi alvo de nenhum comentário depreciativo em qualquer emprego.
Com os amigos sempre expôs a doença, por dois motivos: “Para partilhar a minha mágoa, a minha angústia ou a minha tristeza, mas também para que percebessem algumas resistências minhas, como o não ir à praia.” No plano social, recorda uma situação concreta em que alguém, com sobranceria, a questionou sobre “a grande infeção nas pernas” e que, perante a explicação bastante pedagógica, mostrou indiferença e até algum desdém. A história não saiu da memória de Helena, mas hoje fez “das fraquezas forças”, como a própria descreve, e utiliza-a a seu favor: para mostrar o tanto que ainda é preciso lutar.
Hoje, não há nenhuma resistência por parte de Helena. Abre as portas do passado e mostra-nos o caminho sinuoso, explica-nos com toda a paciência do mundo, dá-nos uma narrativa na qual é até difícil imaginar uma protagonista que não olhasse para a vida como uma vitória. Percebe-se o orgulho nos médicos dermatologistas que a acompanham, e que lhe conseguiram o tratamento adequado, com terapêutica biológica e com cremes adequados. Sente-se a cada palavra a vontade de Helena de que todos os outros consigam o que ela finalmente encontrou, e o tom endurece quando fala da necessidade de se arriscar.
Helena, com 30 anos, é a voz de 17 anos com uma doença e sete sem um diagnóstico. Procura para os outros as respostas que demorou tanto a ter. Fala em como se orgulha de nos falar tão abertamente sobre a doença, vê o percurso todo que ainda falta percorrer, mas sabe também que dá agora passos mais seguros e que, também ela, não está só.